Conspiração<br>na Venezuela

Pedro Campos

Basta passar por um hipermercado ou por uma farmácia para se perceber que a Venezuela atravessa um momento muito difícil. Faltam alimentos de primeira necessidade e o mesmo sucede com muitos remédios para atender, por exemplo, doenças crónicas como a hipertensão.

Contudo, não quer isto dizer que as pessoas estejam a morrer de fome – isso dos «corredores humanitários» não é mais do que uma farsa inserida na campanha internacional contra o processo bolivariano. Para além da eventual necessidade de correcções na tomada de decisões sobre a política de produção agrícola e industrial – o povo venezuelano e a sua vanguarda progressista encontrarão a melhor maneira de o fazer – e dos casos de corrupção – não são poucos os presos e condenados por esse motivo –, existe também uma guerra económica sem quartel, onde os grandes produtores nacionais e internacionais têm uma santa aliança para acabar, seja como for, com o processo de transformações sociais, económicas e culturais iniciado por Hugo Chávez.

Uma das caras mais óbvias dessa guerra económica é a simplificação da produção, que depois se combina com o açambarcamento de bens e a inflação induzida. Vejamos alguns casos só a título de exemplo.

Protinal Proagro CA – acaba com galinhas e ovos. Trata-se de uma empresa de grande poder económico com mais de 70 anos no ramo da produção alimentar. Em Dezembro do 2015, dirigentes da Central Bolivariana Socialista de Trabalhadores denunciaram que a firma tinha sacrificado mais de 140 mil galinhas para acabar com a produção de 90 mil ovos diários (desapareceram do mercado no dia seguinte a que foi fixado oficialmente o seu preço) e encerrar a fábrica, o que realmente sucedeu. Com estas medidas desapareceram do mercado entre 30 e 40 produtos de frango cujo preço estava regulamentado. E aqui apareceu a «simplificação». Esbulhado o mercado de frangos e galinhas, a Protinal desviou a sua actividade para os enchidos, cujo preços não estão regulamentados e podem ser vendidos cinco vezes acima do seu custo. A empresa respondeu a estas denúncias sindicais com assédio e represálias sobre os denunciantes.

Este é um caso sobre produtos alimentares. Com os de higiene pessoal sucede o mesmo.

Colgate-Palmolive – provoca escassez e ganha mais. Multinacional fundada em Nova Iorque. Mais de dois séculos no mercado e centenas de milhões de consumidores. Na Venezuela utiliza cada vez mais matéria-prima, aumenta as toneladas métricas de produção mas os produtos desaparecem dos mercados. Explicação: simplificação!

Fecharam várias linhas de produção. Antes trabalhavam para atender a procura dos produtos populares (os mais vendidos) e agora não laboram nem sábado nem domingo e dedicam-se só aos de maior tamanho e preço. Não há pasta de dentes individual porque estão concentrados/simplificados na produção de grandes tamanhos... e aumentam os ganhos, ao mesmo tempo que tratam de demonstrar que a Lei de Preços não presta.

Para o economista Tony Boza, uma política de produção que consiste em fazer sumir do mercado as apresentações de 500 ml e só pôr à venda os recipientes de cinco litros, mais do que ir contra a democratização da produção é um «acto de guerra».

Polar – brinca com a fome do povo. Corporação industrial venezuelana. Alimentos, bebidas alcoólicas, refrigerantes e produtos de consumo maciço. Líderes em todos os sectores. Com a desculpa de que não há matéria-prima nem divisas, estes reis da farinha PAN (básica na dieta da população) e da cerveja, fecham as linhas desses produtos, da maionese e do molho de tomate, entre outros bens essenciais, despedem centenas de trabalhadores e satanizam os dirigentes sindicais que denunciam estas manobras conspirativas.

Desapareceu igualmente a margarina, através de um processo de simplificação; com 105 mil quilos de tomate produziam perto de 270 mil frascos de 397 gramas por dia, agora saem para o mercado pouco mais de três mil latas de 4,2 quilos. Com a maionese é a mesma história.

Queixa-se a Polar de que não tem divisas, mas tem fábricas na Colômbia (neste mercado estão à venda a preços muito altos todos os bens que faltam na Venezuela) e em Tampa, nos Estados Unidos. Talvez seja o resultado de entre 2004 e 2015 ter recebido 2290 milhões de dólares a preços preferenciais!

Deste modo, pode estranhar-se que o seu dono seja o terceiro homem mais rico do país, um dos mais ricos do mundo e que, segundo Forbes, tenha uma fortuna equivalente a 2700 milhões de dólares?




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